20/02/2009

Rita Apoena.

Sabe, eu ando muito armada.
Me informo, leio as notícias, conheço filmes, livros, lugares, pessoas, músicas, situações, regras, leis, certos, errados. Eu sou centrada e tenho um punhado bem fechado de certezas e idéias.
E se eu fosse só isso, eu não teria motivo para me surpreender com nada, nem ninguém. O que normalmente acontece de fato. Eu praticamente nunca me surpreendo; ou eu fico perplexa e reclamona/revoltada ou fico tão feliz que as têmporas doem, bem como as bochechas esticadas.
É isso. Eu sou simples até. Me imaginei mais complexa, mas é basicamente isso.
Mas, hoje, coisa incrível me aconteceu. Eu fui surpreendida!

Passeando pelo orkut, fugindo da minha música, das notas, das texturas, dos ritmos, das dinâmicas, das polifonias, da seção final, do como fazer o multifônico X no clarinete, dos instrumentos e do prazo do concurso, fui clicando nas minhas comunidades.
Click no Fernando Pessoa, tópicos bobos, click no Shakeaspeare e "qual seu personagem favorito do Shakespeare?" - e eu achei aquela pergunta de extremo cretinismo pois escolher UM personagem favorito de Shakespeare é como as armadilhas do Jigsaw nos Jogos Mortais: vc prefere perder os dois braços e sangrar até a morte ou vc prefere que uma lâmina te corte ao meio, verticalmente, em 60 segundos?! Porra?! Que injusto perguntar, sem necessidade, se eu prefiro morrer de braço arrancado ou cortada ao meio! que injusto perguntar se prefiro Hamlet ou Otello, se prefiro Nutella ou Toblerone! (meu punhado fechado se fazendo notar, claro). Click no Pablo Neruda e aparece nas comunidades relacionada uma foto colorida! Que legal! Porque sempre os escritores são em preto e branco, velhos, empoeirados, respeitáveis e intocáveis. Fui ver e era uma mocinha bonita, cor-de-rosa e cabeluda, vento leve na cara e olhinhos de criança, com a boca meio aberta com ar de "sou boazinha, me coma" (veja como sou má e meu punho é apertado). Tá, tô de saco cheio, tô putadavida com o prazo e porque não tem tímpanos no ensemble do concurso (e eu escrevi MUITA coisa para tímpanos na minha música), preciso esfriar a cabeça e me distrair da minha ira. Entrei no blog da mocinha poetisa. Nunca tinha ouvido falar, nunca tinha lido, nunca vi mais gorda.
E achei tudo tão bonitinho, tão clarinho, tão coloridinho, que desconfiei. Sou muito desconfiada, aliás; uma casa organizada demais, uma pessoa boa demais, as coisas dando certo por tempo demais, uma vaga para estacionar na sexta à noite na Vila Madalena e eu já acho que aí tem coisa. E normalmente tem. Fui lendo as postagens dela e, não sei explicar - como normalmente sei-, mas eu achei tudo ali tão cuidadoso, tão leve e tão bonito. E eu não acredito no bonito. Não mesmo. Bonito pra mim é máscara e feio pra mim é transcendência. É assim, fazer o que... é esse meu punhado, "tou contigo e não abro".
Eu chorei.
De tão desarmada que fiquei.

Tudo ali era tão bonito... Não era um bicho espinhento como eu, armada até os dentes com argumentos farpudos, tentando explicar ao mundo de quais doenças ele sofre e de todas as implicações de xyz e de todas as etceteras e etceteras adicionadas à problemática humana, isto por causa distodistoedaquilo, da injustiça e da desigualdade e do precisa mudar. Ela ia existindo, leve, distraída, falando da beleza das coisas, das idéias, do tempo e até das pessoas (!). Tudo tão despropositadamente bonito...

Eu vi uma pessoa bonita hoje. E isso me surpreendeu.
Obrigada, moça.


Vou abrindo a mão aos poucos... acho que nada vai escapar.
E se escapar, eu vou lembrar de mim, apesar das farpas.