01/08/2012

Meu primeiro cabelo branco

Na fila para entrar no museu, Bernardo nota em minha cabeça um cabelo de pigmento diferente. Eu, que nunca tingi o cabelo e tomo uma quantidade razoável de sol diariamente, contestei: o sol queima o cabelo, é assim mesmo. A resposta veio um pouco tímida: acho que não... acho que é branco mesmo. Há! Que nada, não tenho nem trinta ainda! Arrancaí para que eu veja.

E sim, era meu primeiro fio de cabelo branco.
A mortalidade adquirida por meu próprio desejo, ou a mortalidade advinda de uma situação rápida e trágica (um acidente de carro, um tiro, uma facada, um atropelamento, um terremoto ou tsunami!) nunca foram tabu para mim. Mas morrer de apodrecer, morrer de tempo, morrer devagar e acompanhando naturalmente o fluxo da maturação, isso nunca tinha passado pela minha cabeça até ter consciência do meu primeiro fio de cabelo branco.

Quanto drama!, muitos outros virão! A questão não é unicamente estética, afinal, não é tão complicado, são apenas duas opções: pintar ou não pintar os cabelos. A questão não é apenas confrontar-se com a perda gradual da possibilidade da utilização de um apelo diretamente vinculado ao sexo, à imagem e ao machismo (em outras palavras: se sentir mais murchinha porque não se sente atraente fisicamente); a questão também não é não aceitar o tempo passar. A questão, o drama em si, veio com a constatação óbvia, atrasada, naif: estou apodrecendo continuamente e vou morrer – possivelmente disso.

Simular a morte em situações trágicas é relativamente descomplicado: por exemplo, vc pode imaginar que foi atingida por uma bala de revólver, o sangue, a dor, a velocidade dos acontecimentos subsequentes e prontamente o fim. É um jeito rápido de morrer e, antecipando os fatos, não parece tão trágico assim, especialmente se você rodar esse filme na sua cabeça algumas vezes, ou se esse filme rodar no cinema em 4 a cada 5 filmes.
Já morrer de tempo, isso é incalculável, imprevisível, caótico, fora de controle. Pode ser um cancerzinho de estômago que se arrasta por anos, pode ser uma artrite que te impede de se movimentar, de tomar banho, de andar, de escrever, pode ser um Alzheimer que te torna dependente de algum ser bondoso e altruísta que tem que tomar conta de você por anos a fio... Pode ser que em algum tempo você não possa nem se abaixar para pegar o garfo que caiu, pode ser que em algum tempo você não consiga nem dizer aquilo que pensava, pode ser que em algum tempo você não possa tomar café ou comer chocolate! Pode ser que você não consiga se lembrar do gosto do chocolate, do nome das pessoas que ama, do seu lugar favorito, do seu trecho predileto naquela música...

Mas talvez o que mais tem me chocado em relação à minha nova, bobinha mas grandiosa aquisição pessoal é a possibilidade de não fazer diferença nenhuma para o mundo ou para alguém, de ter sido uma ladra de recursos e de energia, que não converte os benefícios em outros benefícios, que não reverte a energia consumida em energia aproveitável, que não deixa nada para o mundo senão a fumaça de um carvão queimado em vão, enfim: um medo de ser só um verme.

Eu acharia o máximo terminar este post com uma mensagem positiva, bacana, dizer que eu encontrei uma luz no fim do túnel, que eu vou virar vegana, fazer yoga, dizer que amo todo mundo, abraçar árvores, viajar para lugares exóticos, ligar histericamente para uma amiga e dizer "abígãm, que revelação que eu tive hoje!", repassar correntes de caridade fake no facebook, ler os powerpoints que a minha família manda sobre bondade e Deus, eu poderia escolher uma religião e deixar claro a todos ao meu redor que eu sou automaticamente boa gente porque acredito em "algo maior", eu poderia terminar este post dizendo que eu mudei, que agora tenho um otimismo incrível no ser humano, no mundo, no cosmos, na natureza!!!

Mas não, não dá. Tudo o que mudou em mim é a consciência de que ser um verme, insignificante, vai ser pior do que ter cabelos brancos, quer eu os pinte ou não.