24/02/2009

Schubert

Eu não gosto de Schubert.
Não gosto, nunca gostei, mas não tenho raiva de quem goste.
Pelo contrário.

Meus motivos são os mais gritantemente óbvios, afinal, Schubert tem aquelas melodias bobamente simétricas, aqueles acompanhamentos de sempre, aqueles truquinhos dramáticos de sempre, aqueles crescendi-subito piano de sempre, aquelas quadraturas sempre iguais, e repete, repete, repete, meu nego. Eu nem música não consigo ouvir nisso, de tão irritada que fico com tanta repetição. Tanta aversão se intensifica hediondamente nos lied, pois os cantores cantam cada nota como se elas sofressem de mal de parkinson: ficam tremendo as coitadas, oitavo de tom acima, oitavo de tom abaixo, oitavo de tom acima, oitavo de tom abaixo... Eu, com estes tímpanos melindrosos e essa cabecinha alvoroçada e inquieta, não consigo ouvir Schubert.
Para não ofender um "gênio da música clássica", vou dizer, entre os dentes, que a culpa por eu não gostar de Schubert é minha, e não dele. (entre os dentes... entre os dentes!)

Hoje pela manhã, enquanto eu num quarto compunha e Bernardo no outro ouvia Schubert (um lied!), nem percebi que não fiquei irritada com a música. Acho que de tanto estar presente na rotina de Bernardo, já entendi que em muitas manhãs Schubert se faz necessário para ele, tanto quanto as minhas unhas são necessárias para os meus dentes. E hoje pela manhã, uma manhã difícil por outros motivos, ouvi Schubert com outros ouvidos, com os ouvidos de quem entende que às vezes Schubert é necessário. E aí, não ouvi música como eu ouço; eu ouvi música como alguém ouve. E isso nunca tinha acontecido antes, de me colocar no lugar de outra pessoa e ouvir como ela ouve.
Bobagem: eu não posso ouvir como outra pessoa ouve; posso apenas simular, em mim, o prazer ou o alívio que outra pessoa sente ao ouvir qualquer música.

Hoje, se alguém me jogar num pagodão, eu canto!