15/02/2009

O que é a polícia?

Moro na Praça General Araripe de Faria.
Este fato passava despercebido em minhas reflexões, já que é tão cotidiano ter de dizer e escrever meu endereço– preenchimento de formulários para bancos, vídeo locadora, hospitais, sorteios de carros no auto-posto, para um amigo ou parente old fashion que gosta de enviar cartas, etc. – que morar na praça General X,Y ou Z nunca foi motivo de crispas. Mas, na sacada do apartamento, que tem vista para a praça, me ocorreu: eu moro numa praça cujo nome homenageia um GENERAL. Este fato até então passava irrelevantemente sobre minhas telhas.

Que muitas praças, ruas, avenidas, rodovias, pontes, parques e teatros homenageiem militares não é novidade no Brasil. A questão do merecimento e do reconhecimento na real não é uma questão, nunca suscita como tal, e é uma realidade pronta: "o mundo já estava assim quando me dei conta dele ou do que já fizeram dele".
Se o militar, cujo nome é celebrado por meio da nomeação de uma ponte, torturou centenas de compatriotas, matou outras tantas pessoas covardemente e aceitou suborno e agrados ilícitos, ele certamente não fora homenageado por tais fatos. Então fora homenageado por quais fatos? E por quem?
Eu nunca soube de nenhuma votação ou sequer discussão sobre a nomeação de ruas, avenidas, praças, parques, museus, teatros etc. Nunca ninguém me consultou.
Esta questão pode ser considerada como "é só um nome de ponte, tem gente morrendo de fome por aí", mas este ponto revela, ainda que parcialmente, qual o valor dado à polícia e como ingenuamente ou ignorantemente entendemos os serviços militares.

Muito embora eu não seja historiadora, estudiosa das histórias e estórias trazidas do passado até aqui, contadas sempre por um interesse, por um povo, por uma crença, por um poder (parcialidades irreversíveis), confio que estas informações sejam verdadeiras: desde civilizações bastante remotas, até nos tempos de escravidão com chibata e pau-de-arara, os que tinham mais poder compravam direta ou indiretamente a tão necessária segurança.
Pois que o senhor medieval, rico dono de terra, tinha seus cavaleiros para evitar que seu feudo fosse invadido ou que seus servos fugissem; esses cavaleiros recebiam benefícios que os servos que cultivavam a terra não recebiam, mas não tinham o poder que o senhor feudal tinha. Eles ganhavam a vida protegendo um cara rico, matando e caceteando os caras pobres, sendo ele próprio um cara pobre de origem pobre.
No período de escravidão (quando ainda era escravidão declarada e não a atual, velada) tínhamos o capitão-do-mato: um negro pobre, que andava armado e à cavalo, que trabalhava para o branco rico, protegendo sua propriedade e seus "bens", vigiando e capturando outros negros. Ele era um empregado público, cuja função era capturar (não-amistosamente) os negros escravizados. Em suma, ele era um cara negro e pobre, que trabalhava para o cara branco e rico, oprimindo outros caras negros e pobres.
Obviamente a questão aqui não é negro versus branco, rico versus pobre, mas é mostrar a origem daquilo que hoje chamamos de "polícia", de "força militar", de "proteção".

Percebemos que a proteção nunca fora para os que precisavam ser protegidos. Os "protetores" não tinham como função proteger as pessoas de estupros, privações, torturas e morte. A proteção só era destinada àqueles que tinham injustamente mais do que deveriam ter, que tinham mais poder, mais dinheiro e que de tanto terem temiam perder. Não se trata de uma proteção à vida, mas sim de uma proteção dos bens, do dinheiro, do poder e da manutenção do poder. Se fosse uma proteção à vida, que se protegesse aqueles que trabalhavam de sol a sol e colocavam os alimentos do solo à mesa, aqueles que eram oprimidos, humilhados, injustiçados.

Pois que, olhando a placa da minha rua, me dei conta que eu nunca havia pensado, por mim mesma, o que é a polícia, o que ela representa e a quem ela representa. A origem da nossa polícia é esta: a violência, a força, o poder financeiro e político constroem o que é entendido como "segurança" e "proteção", que são destinadas a zelar por aqueles que detêm poder.

A polícia da qual falamos é filha daquele capitão-do-mato, que oprimia gente como ele, em troca de ter um pedaço parco e sujo de poder. A polícia em questão protege políticos e bancos, fuzila adolescentes, extermina em massa, agride grevistas que buscam melhoria em seus salários de maneira lícita, espanca adolescentes que se manifestam em passeatas, abusa do poder para obter regalias, corrompe e se deixa corromper. Esta suposta entidade protetora usufrui de sua influência, do respeito, da confiança e do poder que a maior parte da população dá a ela, de maneira malevolente, atentando contra a vida das pessoas não-poderosas, como se pudessem gozar de um direito divino de vida e morte, ou de poder escolher quem merece ou não proteção.

Quem são esses "ex-cidadãos" que deixam de encarar seus compatriotas como cidadãos, e passam a tratar aos não-poderosos como se fôssemos empecilho à ordem? Esta ordem beneficia a quais pessoas? Estas algemas são utilizadas contra quais bandidos? Esta polícia protege os interesses de quem?
Por que um policial fuzila mendigos na rua e não fuzila o político que desvia o dinheiro que criaria escolas, hospitais, facilitaria o acesso à moradia e evitaria que estes mendigos estivessem nas ruas?
Por que um policial atira bombas de "efeito moral" (que moral é essa?!) numa manifestação de professores do ensino público que reclamam por melhorias nas escolas?
Por que um policial protege o palácio do governo e atira contra o povo que reclama por ser injustiçado?
Por que, alguns seres humanos, ainda se rebaixam ao nível de tentar lamber o resto podre deste poder injusto, aumentando ainda mais a vala que enterra o povo para aumentar a altura do pedestal do poder de uma minoria tão devassa?





Polícia de SP e universitários (2007)

Um comentário:

  1. Manoel Araripe de Faria

    Nasceu no dia 28 de outubro de 1879, em Fortaleza, Ceará. Foi General do Exército Nacional, formado em Engenharia militar e Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas.

    Conforme sua declaração na “Revista Espírita do Brasil”, já extinta, órgão da ex-Liga Espírita do Brasil, tornou-se espírita pela dor. - “Não precisei de fatos para alicerçar a minha crença. Transpus as fronteiras da Doutrina, pela dor, mas, no seu território, me mantenho pela força da razão. Como filosofia, a Doutrina Espírita é a mais sublime e a mais confortadora, porque explica a evolução do espírito e a Justiça Divina, pela Lei de Causa e Efeito, através das reencarnações. Deus só se nos apresenta em toda a sua Justiça e Bondade, por essa Lei. Outra, não justificaria a sua condição de Pai Universal”.

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